sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

"(...) Certa noite, a Maga cravou-lhe os dentes, mordendo-lhe o ombro até sair sangue, pelo simples fato de ele já estar um pouco cansado, um pouco perdido, o que resultou num confuso pacto sem palavras. Para Oliveira era como se a Maga espera-se a morte dele, algo nela que não era o seu eu desperto, uma forma obscura reclamando uma destruição, a lenta facada de baixo para cima que rasga as estrelas da noite e devolve o espaço às perguntas e aos terrores. Essa vez, e só essa vez, excitado como um matador mítico para quem matar é devolver o touro ao mar e o mar ao céu, maltratou a maga numa longa noite da qual pouco falaram mais tarde, fez dela Pasífase, dobrou-a e usou-a como a uma adolescentem conheceu-a exigiu-lhe as servidões da mais triste puta, magnificou-a em contelação, teve-a entre os braços cheirando a sangue, fez com que bebesse  o sêmen que corre pela boca como um desafio ao Logos, chupou-lhe a sombra do ventro e do sexo, erguendo-a depois até o seu rosto, para untá-la de si mesma, numa última operação de conhecimento que só o homem pode dar à mulher, exasperou-a com pele e pêlo e baba, lançou-a contra um travesseiro e um lençol e a sentiu chorar de felicidade contra o seu rosto que um novo cigarro devolvia à noite do quarto e do hotel.
Depois, Oliveira ficou preocupado que ela se considerasse transbordada, que aqueles jogos procurassem sempre ser uma espécie de sacrifício. Receava, particularmente, a forma mais sutil da gratidão, que se torna carinho canino; não queria que a liberdade, a única roupa que caía bem na Maga, se perdesse numa feminilidade diligente. Tranquilizou-se, pois o regresso da Maga ao plano do cafezinho e da visita ao bidê foi assinalado por uma recaida na pior das confusões. Absolutamente maltratada durante aquela noite, aberta a uma porosidade de espaço que late e se expande, suas primeiras palavras, já do lado terreno, tinham de açoitá-la como chicotes, e sua volta à beira da cama, imagem de uma consternação progressiva que procura neutralizar-se com sorrisos e uma vaga esperança, deixou Oliveira bastante satisfeito.(...)"
Trecho do livro "O Jogo da Amarelinha" de Julio Cortázar

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